No último domingo, os eleitores baianos foram às urnas para escolher seus representantes na Câmara Federal, Assembléia Legislativa, no Senado e para o Governo do estado.
Com todas as pesquisas apontando uma vitória esmagadora do candidato do União Brasil, ACM Neto, no primeiro turno, o resultado no final do dia pegou muitos de surpresa. É natural, após uma virada inesperada, o grupo que perdeu querer procurar culpados e onde pode ter cometido erros.
Uma manchete do jornal "O Globo", apontou que "Polêmica racial causa reviravolta na eleição da Bahia", referindo-se ao fato de ACM Neto ter se autodeclarado 'pardo'. Porém, não existe um erro específico para apontar como o principal causador dessa 'virada'. Quem conhece a política baiana ou quem acompanhou suas eleições nos último pleitos, sabe que o real motivo vai muito mais além.
No início da campanha, IPEC e Datafolha indicavam vitória de ACM Neto com folga e no primeiro turno. ACM Neto declarou ao TSE que é pardo (ou seja, negro), pouco depois disse, o candidato do PT passou a crescer bastante nas pesquisas.
Muita gente, especialmente fora da Bahia, noticiou que a tal polêmica racial causou essa reviravolta. O problema é que uma reviravolta similar ocorreria por outro motivo, mesmo se ACM tivesse declarado ao TSE que é branco. Antes de explicar, vamos voltar para o ano de 2006.
Quem não se lembra dessa foto que foi tirada logo após o resultado das eleições para governador em 2006? Ela retrata o momento em que ACM, o avó, descobre a força eleitoral de Lula na Bahia, desconhecida por todos até então.
Segundo uma pesquisa IBOPE divulgada na véspera da eleição de 2006, o governador Paulo Souto seria reeleito em 1º turno. Souto era do grupo de ACM, que dominava o estado há anos. Jaques Wagner (PT) virou líder na boca-de-urna e foi eleito em 1º turno.
Em todas as eleições desde 2006, o PT venceu em 1º turno após crescer subitamente na reta final. Esse crescimento foi mais acentuado em 2006 e 2014, quando o PT teve candidatos desconhecidos. (Em 2010 e 2018, os candidatos do PT concorreram à reeleição)
Motivo
O motivo é simples: desde 2006, Lula é incrivelmente popular na Bahia. Quando os eleitores descobrem quem é o candidato dele, muitos mudam de voto.
A Atlas Intel é uma empresa brasileira com excelente reputação internacional. As pesquisas da Atlas foram as mais precisas de muitas eleições pelo mundo - inclusive a americana, segundo o também renomado site FiveThirtyEight. Desde 2022, a Atlas faz pesquisas na Bahia e o instituto tentou "resolver" o problema das pesquisas baianas desde 2006 destacando a sigla dos candidatos. Exemplo: O formulário do Datafolha tem: "Jerônimo" e "ACM Neto". O da Atlas tem: "Jerônimo (PT)" e "ACM Neto (União Brasil)". E o resultado foi que nas pesquisas do Atlas Intel, Jerônimo Rodrigues já estava quase empatado com ACM Neto no início da campanha.
A reviravolta que 'O Globo' atribui apenas à polêmica racial é a aproximação entre Neto e Jerônimo. A análise foca em pesquisas IPEC e Datafolha que apontam vitória de ACM Neto no 1º turno. Essa reviravolta é mais modesta do que a prevista pela Atlas desde antes da tal polêmica racial. Ou seja, existem boas evidências que a causa da virada na Bahia não é a autodeclaração de ACM Neto como negro. Essas evidências se encaixam no modelo usado por cientistas sociais para inferir causalidade: Jerônimo está virando a eleição porque é o candidato de Lula e do PT, e não há nada que seus opositores façam que mudem isso.
Não nego a relevância da polêmica racial, mas vale abrir espaço para outro tema interessante: o Nordeste tem voto ideológico, e todo candidato que quiser se eleger nos estados dessa região, principalmente a Bahia, deverá se atentar a isso e criar estratégias que o faça chegar ao resultado desejado.