O cacau do sul da Bahia participa da história do país há mais de 250 anos e chegou quase ao fim na década de 1980, quando a vassoura-de-bruxa, doença causada por um fungo nos cacaueiros, devastou as plantações.
Hoje, a região ressurge no cenário nacional mais uma vez como zona cacaueira, mas focada nas amêndoas de qualidade, nos formatos de produção e na preservação ambiental. As mudanças trazem novos ares para um modelo que, no passado, ficou marcado pela escravidão e pelos coronéis do cacau.
O fruto foi levado para a Bahia para substituir as plantações de cana-de-açúcar no século 18, que entravam em decadência, e logo se adaptou ao clima quente e úmido do estado. Tanto que, em 2018, a região conquistou o selo de indicação geográfica com nome Sul da Bahia, que destaca a tradição e qualidade diferenciada do cacau produzido ali.
Da árvore à barra
A Yrerê é uma das fazendas que carregam a história do cacau. Foi uma sesmaria doada pela coroa portuguesa em 1818 para uma família de alemães. O atual proprietário, Gerson Marques, é o primeiro dono fora da linha sucessória da família. Comprou o local há 24 anos e se especializou em produzir cacau fino e orgânico, além de explorar o turismo de experiência. Produz cerca de 400 arrobas de amêndoas por ano. Para o produtor, após a vassoura-de-bruxa na região, a quantidade deixou de ser meta. "O caminho que nos resta é o da alta especialização, da alta qualidade, vender cacau a um preço que vale a pena", afirma.
Na fazenda, os turistas percorrem quase todos os processos de produção do chocolate, que é chamado pelo proprietário de tree to bar (da árvore à barra), numa alusão ao conceito beans to bar (da amêndoa à barra), em que todo o processo é transparente para o consumidor. Ali, eles conhecem a plantação de cacau, provam o fruto, acompanham a secagem das amêndoas e, depois, participam de uma degustação dos vários tipos de chocolate produzidos na fazenda.
Segundo a gerente regional do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) em Ilhéus, Claudiana Campos, a estratégia é produzir uma amêndoa de qualidade, fugindo do formato de commodity (produto primário com cotação em mercados internacionais), que é a venda em grandes quantidades, mas sem tanta qualidade. "Hoje, já vendemos um produto de qualidade para chocolatiers (profissionais especializados em chocolates) e indústrias do mundo inteiro, com muitas amêndoas premiadas em concursos nacionais e internacionais", diz.
Cacau fino
Em 2019, o Brasil foi reconhecido como produtor de cacau fino de aroma para exportação, pela Organização Internacional do Cacau. Essa amêndoa representa 3% da produção brasileira, conforme dados da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). A meta é chegar a 10%.
O controle de qualidade é rígido. Em Ilhéus, é feito pelo Centro de Inovação de Cacau (CIC), onde fica o Chocolab, laboratório que emite laudos para atestar se as amêndoas daquela safra estão no padrão da IG Sul da Bahia. No local, são feitos testes com a matéria-prima e também sensoriais de sabor, aroma e textura do chocolate. A norma da IG prevê percentual de 3% de defeitos nas amostras, uma norma mais rígida que as internacionais.
Uma mudança de vida não só para as famílias do assentamento, como também em todo o processo de trabalho com o cacau. A produtora Delineia Batista dos Santos lembra de como era o trabalho dos pais nas plantações das grandes fazendas. "Sempre tinha alguém que ficava ali, vigiando o trabalho deles, porque não podiam chupar o fruto do cacau." Quem era pego fazendo isso, era demitido. "Meus pais começaram a saber, a sentir o sabor do fruto do cacau, depois que nós viemos para o assentamento."
O episódio Cacau, uma história ainda escrita na Bahia do programa Caminhos da Reportagem e vai ao ar no próximo domingo (6), às 22h, na TV Brasil.