O depoimento simultâneo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e outras seis pessoas envolvidas no escândalo das joias vai acontecer nesta quinta-feira, 31. A oitiva coletiva foi uma forma utilizada pela Polícia Federal (PF) para evitar a chance de uma combinação de versões, e pode ser determinante para os próximos passos das investigações que colocam o ex-chefe do Executivo em uma situação jurídica delicada.
Entenda o esquema de vendas de joias do Bolsonaro em 5 pontos, segundo a PF
Além de Bolsonaro e Michelle, serão interrogados pela PF o ex-ajudante de ordens Mauro César Barbosa Cid, o general do Exército Mauro César Lourena Cid, o ex-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten, o advogado Frederick Wassef e os assessores do ex-presidente Marcelo Câmara e Osmar Crivelatti.
Veja o que se espera que cada investigado esclareça, segundo as descobertas já reveladas pela PF:
Jair Bolsonaro
De acordo com a PF, os montantes obtidos das vendas ilegais foram convertidos em dinheiro em espécie e ingressaram no patrimônio pessoal de Bolsonaro, por meio de laranjas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores. Os investigadores agora trabalham para descobrir se o ex-presidente foi ou não o mandante da ordem de realização das vendas.Em mensagens trocadas em janeiro deste ano por Mauro Cid e Marcelo Câmara, um áudio revelou aos investigadores da PF que o pai de Cid, Mauro César Lourena Cid, estaria com 25 mil dólares que, possivelmente, pertenciam a Bolsonaro.
"Tem vinte e cinco mil do´lares com meu pai. Eu estava vendo o que era melhor fazer com esse dinheiro, levar em 'cash' ai´. Meu pai estava querendo inclusive ir ai falar com o presidente. (...) E ai´ ele poderia levar. Entregaria em ma~os. Mas tambe´m pode depositar na conta (...). Eu acho que quanto menos movimentac¸a~o em conta, melhor, né?", afirma Mauro Cid.
A apuração da PF também mostrou que, enquanto estava nos Estados Unidos depois de deixar o mandato presidencial antes da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Bolsonaro não quis pegar duas esculturas com o pai de Mauro Cid por conta de um valor irrisório das peças, que seriam feitas de latão. "Não. Ele [Bolsonaro] não pegou porque não valia nada. Então tem aqueles dois maiores: não valem nada. É, é... não é nem banhado, é latão. Então meu pai vai levar pro Brasil na mudança", disse o ex-ajudante de ordens.
Os conteúdos obtidos pela PF alimentam uma hipótese de que existiu um esquema de peculato para desviar as joias do poder público para o acervo privado do ex-presidente. No depoimento desta quinta, Bolsonaro deve ser questionado se tinha ou não ciência dessas operações ilegais.
Bolsonaro precisa esclarecer se de fato tinha conhecimento da venda das joias no exterior e seu Mauro Cid agiu sob suas ordens.
Michelle Bolsonaro
Em uma outra troca de mensagens entre Cid e Câmara, os auxiliares de Bolsonaro discutem sobre a legalidade da venda de joias recebidas em compromissos oficiais do ex-presidente, Marcelo cita que um item teria "desaparecido" com a ex-primeira-dama. "O que já foi, já foi. Mas se esse aqui tiver ainda a gente certinho pra não dar problema. Porque já sumiu um que foi com a dona Michelle; então pra não ter problema", disse.
Para a PF, a troca de mensagens pode significar um indicativo de que outros objetos podem ter sido desviados e isso pode ser questionado no depoimento conjunto desta quinta. "As mensagens revelam que, apesar das restrições, possivelmente, outros presentes recebidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro podem ter sido desviados e vendidos sem respeitar as restrições legais, ressaltando inclusive que 'sumiu um que foi com a dona Michelle", afirmou a PF.
Michelle precisa esclarecer se tinha conhecimento das transações, se participou de alguma maneira na tentativa de venda de objetos no exterior.
Mauro César Barbosa Cid
Segundo a PF, Mauro Cid teria vendido com o auxílio do seu pai, o general Mauro Lourena Cid, as joias omitidas do acervo da Presidência no exterior. De acordo com os investigadores, uma das peças comercializadas pelo ex-ajudante de ordens foi um relógio da marca Rolex, estimado em R$ 300 mil e recebido por Bolsonaro em uma viagem presidencial à Arábia Saudita em 2019.Na noite de 17 de agosto, em uma entrevista à revista Veja!, o advogado de Cid, Cezar Bitencourt, disse que o seu cliente confessaria que vendeu os itens de luxo recebidos por Bolsonaro e também apontaria o ex-presidente como mandante da ação. O advogado falou, expressamente, que o dinheiro era de Bolsonaro, e que ele seria o coordenador do esquema. Ao Estadão, Bitencourt recuou das suas afirmações à Veja! e descartou que o ex-ajudante de ordens iria "dedurar" Bolsonaro.
Em uma entrevista à Globo News, Bitencourt já havia dito que Cid obedecia ordens do seu superior hierárquico, o que é típico das relações militares, colocando uma responsabilidade de Bolsonaro nas entrelinhas. No dia 18, Bolsonaro falou com exclusividade ao Estadão em uma padaria no interior de Goiás, e disse que Cid tinha "autonomia" para fazer as vendas ilegais.
Cid precisará esclarecer se de fato agiu sob ordens de Bolsonaro e como efetuou a entrega de valores ao ex-presidente, que nega ter recebido dinheiro do auxiliar.
Mauro César Lourena Cid
O general da reserva do Exército, Mauro César Lourena Cid foi alvo de mandado de busca e apreensão no dia em que a operação da PF foi deflagrada. O pai de Mauro Cid aparece em um reflexo de uma caixa de escultura, recebida por Bolsonaro em uma viagem nos Emirados Árabes Unidos, que seria posteriormente negociada nos Estados Unidos. Além disso, há indícios de que a conta bancária do general tenha sido usada para que os investigados pudessem trazer o dinheiro obtido nas vendas ao Brasil.O oficial precisará esclarecer sua participação no caso e como intermediou o repasse de dinheiro a Bolsonaro.
Fábio Wajngarten
A PF trabalha com a hipótese de que Wajngarten possa ter participado de uma operação de resgate do Rolex vendido por Mauro Cid nos Estados Unidos, o que é negado pelo ex-secretário de Comunicação. Após o Estadão revelar que joias recebidas pelo ex-presidente haviam sido omitidas da Receita Federal, Fábio e Cid discutem em mensagens capturadas pela PF sobre uma forma de "se antecipar" de uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que, em março deste ano, determinou que Bolsonaro deveria devolver o relógio.
Frederick Wassef
O responsável por "resgatar" o relógio foi Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro que admitiu, no último dia 15 de agosto, que foi ao Estados Unidos recomprar o Rolex. Segundo a PF o item foi recuperado no dia 14 de março, quando estava em posse de uma empresa estadunidense chamada Precision Watches. O advogado teria retornado ao Brasil no dia 29 do mesmo mês.
"Eu comprei o relógio. A decisão foi minha. Usei meus recursos. Eu tenho a origem lícita e legal dos meus recursos. Eu tenho conta aberta nos Estados Unidos em um banco em Miami e eu usei o meu dinheiro para pagar o relógio. Então, o meu objetivo quando eu comprei esse relógio era exatamente para devolvê-lo à União, ao governo federal do Brasil, à Presidência da República", afirmou ele.
Marcelo Câmara e Osmar Crivellati
Assessor de Bolsonaro e coronel da reserva do Exército, Marcelo Câmara foi quem disse em mensagens capturadas pela PF que uma joia teria "sumido" com a ex-primeira-dama. Ele também teria sido o responsável por intermediar a entrega de uma mala com joias para o empresário brasileiro Cristiano Piquet, que reside em Miami.
Junto com o tenente do Exército, Osmar Crivellati, que também era auxiliar de Bolsonaro, Câmara enviou duas esculturas recebidas por Bolsonaro para lojas especializadas, com objetivo de avaliá-los e vendê-los, para uma "posterior incorporação do valor arrecadado ao patrimônio pessoal do ex-presidente". Isso não teria acontecido por conta do baixo valor patrimonial das esculturas, que seriam feitas de latão.
Após o "resgate" do Rolex feito por Wassef, Crivellati teria recebido o Rolex que foi posteriormente entregue no dia 4 de abril a uma agência da Caixa Econômica Federal, depois da determinação do TCU.